A partir de informações das operadoras de cartões de
crédito, a Receita Federal encontrou pelo menos 2.000 contribuintes
(pessoas físicas) que, juntos, gastaram R$ 400 milhões em 2004, mas
informaram em suas declarações de Imposto de Renda terem rendimentos
de R$ 70 milhões. Eles serão intimados para se explicar ao fisco.
Os 2.000 contribuintes, só do município de São Paulo, deixaram de
declarar rendimentos de ao menos R$ 330 milhões, segundo o fisco.
Esse dinheiro deixou de ser tributado, segundo a Delegacia de
Fiscalização da Receita Federal de São Paulo.
Entre os consumidores identificados no levantamento do fisco
estão profissionais liberais e empresários que gastaram o dinheiro
em lojas de luxo de São Paulo, segundo a Folha apurou. A média de
gastos daria R$ 200 mil por contribuinte.
Para obter as informações, a Receita Federal se baseou no artigo
5º da lei complementar 105, de 2001, e na instrução normativa nº.
341, de 2003. Essa lei obriga as operadoras de cartões a informar a
movimentação mensal dos consumidores que gastam acima de R$ 5.000 em
compras feitas por operadora de cartão. Se o consumidor gastar R$
4.999,99 em dez cartões de crédito diferentes, escapa do cruzamento
de dados do fisco com os das operadoras, segundo admitem auditores
da Receita.
"Quem possui apenas um cartão de crédito e gasta acima de R$
5.000 tem suas informações entregues ao fisco. Quem tem mais de um
cartão e gasta R$ 40 mil [divididos em vários cartões, sem
ultrapassar os R$ 5 mil por mês em um único cartão] não cai na malha
fina. Os consumidores têm, nesse caso, tratamento diferenciado. Isso
fere o princípio da isonomia, que é uma garantia constitucional",
diz o advogado João Piza, ex-presidente da OAB-SP.
Os contribuintes que estiverem na lista de devedores do fisco
serão convocados pela Receita e terão de pagar o imposto devido de
27,5% sobre a renda omitida mais multa, que pode variar de 50% a
150% sobre o valor do imposto que deixou de ser recolhido.
"Há algum tempo estou ciente dessa lei. Por isso, divido as
compras em três cartões", diz a empresária I.B.M., 55, que ontem à
tarde fazia compras no shopping Iguatemi. "Acho que a Receita está
fazendo esse cruzamento de informações só porque estamos em ano de
eleição", afirma a consumidora, que gasta, em média, entre R$ 5.000
e R$ 10.000 por mês em compras com cartão.
A consumidora O., que prefere não se identificar, diz que costuma
comprar em dinheiro em vez de usar o cartão de crédito. Ontem à
tarde, ela pagou em "cash" cerca de R$ 1.700 por um sapato da loja
da Louis Vuitton do shopping Iguatemi. "Acho que enviar esses dados
[à Receita Federal] é uma violação [do sigilo fiscal] do
consumidor." Ex-funcionária da própria Receita Federal em Brasília,
M., 72, concorda que há violação de direitos. "Não acho correto
enviar os dados do cartão de crédito para a Receita, mesmo havendo
notificação." M. afirma que acabou de comprar seis passagens aéreas
para os Estados Unidos no cartão de crédito e que gastou "bem mais"
de R$ 5.000 em uma única operação de um cartão de crédito.
"Só por isso vou entrar na fiscalização da Receita? No meu caso,
isso nem é problema. Declaro sempre tudo o que ganho e tudo o que
gasto com comprovantes e recibos", diz a ex-servidora.
Legislação estadual
No Estado de São Paulo foi criada a lei 12.294, que entrou em
vigor em 6 de março deste ano, que obriga as operadoras de cartões a
informar ao fisco estadual o montante de vendas efetuadas pelos
estabelecimentos comerciais do Estado por meio de cartão de crédito
ou débito. As vendas abaixo de R$ 5.000 poderão não ser informadas.
"Para nós, essa legislação tem valor indiciário e deve entrar em
prática assim que forem acertados detalhes técnicos com as
operadoras", diz Antonio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto do
Deat (Diretoria Executiva da Administração Tributária) da Fazenda
paulista.
Ao obter informações da venda por meio de cartão de crédito, é
mais fácil verificar se há indícios de sonegação, já que a loja tem
de informar mensalmente seu faturamento e, com base nesse valor,
pagar o ICMS. Em 2005, a Receita autuou quase 900 contribuintes do
país por meio de informações de administradoras de cartão. As
infrações totalizaram R$ 240 milhões.